domingo, 8 de junho de 2008

Inquietação

basta-me um sorriso teu
e dou-te a vida em troca
Hâfiz



o espinho do teu amor feriu-me fundo na alma:
és o único roseiral por quem meu coração desmaia
Sa’adi


É sempre esta inquietação… inquietação, inquietação… cá dentro…que nos faz…

Porquê?!
Almoço apressado para partir para um recital para a Praça Giraldo, Évora. Mesmo assim não posso deixar de ouvir as lamentações de duas mulherzinhas na mesa ao lado… gerações diferentes, mais velha e mais nova do que a minha, todavia sincronizadas nas fúteis querelas familiares, mas pondo uma tal veemência na coisa, como se o mundo estivesse suspenso sobre uma decisão lá para alturas do Natal… que estranha inquietação, como me sinto insensível ao diz que disse e… fez ou não…
Porque razão acho estas coisas tão pouco interessantes… e aqui estou eu aqui a imaginar projectos, e a tentar concretizá-los: levar a beleza suprema que é a Poesia a muita gente, a milhares, dezenas, centenas de milhar - feito livro, feito roteiro, feito imagens projectadas ou representadas - porque não… aqui estou a querer reconstituir o que acho sublime e belo, a génese da nossa lírica, esses tempos idos de vidas vividas em toda a sua plenitude ou… destroçados… de vidas vividas entre o vida e morte, entre o Amor e o ódio, dos amores plenos, únicos: al-Mouhatami e I’timad, Pedro e Inês, ou Pablo e Matilde- já quase hoje ou hoje quem o soube ler nos “Versos do Capitão”…



E aqui estou eu perseguindo a beleza suprema, a Poesia libertadora, que fala quase só, sempre, só, de Amor… e aqui estou perseguindo a razão de viver, construindo os sonhos em que de início quase ninguém acredita… e descobrindo caminhos novos para ultrapassar as dificuldades quase homéricas… todavia, cantando ao Sol, enfrentado a tristeza, o baixar dos braços, o desânimo, a desistência – não só a minha – mas será que esta estranha inquietação nos permite deixar de lutar, nos permite desistir?! o fim , a destruição… aqui estou eu erguendo a voz em nome da dignidade, enfrentando a subserviência, a bajulação, a pequenez humana e intelectual que estão na ordem do dia… aqui estou eu, recusando a humilhação e não abdicando nunca de querer ser livre, não abdicando de sentir o vento no rosto, de falar ao Irmão Sol, à irmã Lua – de igual para igual, de saborear, beijar a terra gritando no montado a plenos pulmões libertando um som vindo, amordaçado do início dos tempos! Livre! Amar o mar e desafiá-lo, desafiando-me… não abdicando de mim mesmo, da luta diária e milenar, não abdicando naquilo em que acredito! Fazendo disso uma questão de Vida ou de morte, uma luta de Vida ou de morte, porque para mim só assim a Vida faz sentido doutra forma, não obrigado!!! Mil vezes não!!!


Claro que estas minhas inquietações, entre a Vida e a morte, o riso e choro, são coisas tão abstractas, são coisas comezinhas para aquelas duas mulherzinhas fúteis, tão vazias desta vida interior, desta minha inquietação, mas é aqui que se encontram as afinidades electivas, é aqui que encontram os grandes amores, o Amor: o que faz mover o mundo, o verdadeiro Amor, que é tão raro, tão único!

Claro que são tão abstractas estas minhas inquietações – tão estranhas, tão metafísicas “(Come chocolates, pequena;/Come chocolates (…)” diria Álvaro de Campos na “Tabacaria” mas esta estranha inquietação, como canta o Zé Mário, porque não sei, não sei… mas sei que essa coisa é que é linda!





aquele cujo coração não vive senão do amor
não morrerá jamais.

Hâfiz